23.10.25

Ontem eu salvei uma vida

Às vezes, salvar uma vida nos dá tanto prazer quanto ter um orgasmo. Por isso é que eu adoro salvar vidas — algumas, pequenas; outras, enormes. Houve até um dia em que salvei a vida de uma bela formiguinha. Mas, ontem à noite, salvei Tereza. Ela cometeu o desatino de aventurar-se num projeto muito arriscado. Em busca talvez de comida, e por imprudência, foi até onde não devia. 

Eis como tudo aconteceu. 

Era madrugada quando cheguei. Acendi a luz da cozinha e lá estava ela, no fundo da pia, tentando desesperadamente subir pela parede lisa e fria, inoxidável, da cuba de aço. Não tenho certeza se era mesmo Tereza, mas dei-lhe esse nome. Assisti, por dois ou três minutos, o seu desespero e o seu esforço. Coitadinha, pensei. Se eu abrisse a torneira ela seria levada para dentro do cano escuro...


Eu poderia abandoná-la ali, à própria sorte — ou falta de. 

Mas, não! 

Então, tomei de um pedaço de papel e a convidei para que nele subisse. A princípio, ressabiada, recusou. Talvez por ser uma baratinha órfã, cuja mãe tenha sido morta a chineladas. Porém, depois, confiante nas minhas boas intenções, concordou: olhou para mim, e subiu na plataforma de papel. Em seguida, conduzi-a até a janela dos fundos e coloquei-a no lugar mais seguro que encontrei ali. Olhamo-nos nos olhos, docemente, e pude ver duas lágrimas descendo pelos dela. Acenou-me com suas duas anteninhas — e se foi.




21.10.25

Tua hora está chegando

A vida está por um fio. Tua casa tá pegando fogo, teu amor se despedaça, tua hora está chegando... Não a hora da morte biológica, que pode até demorar, mas a hora da verdade, a hora de virar gente, a hora de assumir o comando. A hora de tomar consciência.

A cebola da vida está descascando, inexorável, aí, ao teu lado; o leão do tempo, feroz, rugindo no teu cangote — e você não reage. Nem se mexe. Acontece que há conclusões às quais você tem obrigação de chegar, hoje

Ou você se salva — ou você se fode.



É isso que eu quero dizer novamente hoje, mas você teima em não me ouvir. Porque todos temos uma certa tendência neurótica em deixar as coisas como estão, em salvar as aparências, em manter as estruturas — mesmo que apodreçam. Quase todos temos uma enorme preguiça de agitar as circunstâncias. Propendemos a deixar tudo como está, embora vivamos fazendo promessas de mudar o mundo.

Como disse Göethe no Fausto, "a quem persiste na Esperança ainda resta a Salvação". Mas você sempre deixa pra depois. Você chuta o agora. Você adia o instante. Você posterga o hoje. 

Você pensa que vai viver mais mil anos...
Mas não vai, não.
Nem eu.




Texto publicado em 24.07.2005 no Guarujá.







19.10.25

Nova Teoria do Acaso

 




Se ele, fazendeiro que era em Minas Gerais, não tivesse raptado amorosamente a Vitalina, nada disso estaria acontecendo. Se o meu corajoso e culto bisavô Luiz Marques não tivesse decidido morar no Sul (Porto Alegre ou talvez Uruguay) com sua amada adolescente (treze anos de idade!), ele, vindo do norte de Minas, não teria passado por Itararé, numa noite enluarada de 1905, onde seria preciso trocar de trem, da Estrada de Ferro Sorocabana para o da Rede Paraná Santa Catarina. Não teria, portanto, e por acaso, conhecido o Sr Tonico Adolfo, que o convenceu a comprar umas terras por aqui, inclusive a propriedade onde ficam hoje a Casa Azul e a Churrascaria dos Gaúchos. Não fosse por isso (por esse maravilhoso conjunto de acasos), Luiz Marques e Vitalina teriam seguido viagem para o Sul. E Maria, a primeira filha de Vitalina e mãe do meu Pai, não teria nascido aqui. Nem teria conhecido o Joaquim dos Santos, obviamente. E meu Pai, portanto, não seria concebido por esse casal. Nem por outro. E nem eu nem meus irmãos existiríamos. Minha Mãe teria existido, é claro, posto que viera do Salto, mas seus eventuais filhos seriam outros. Logo, como se pode facilmente concluir, se não fosse o ACASO, se não fosse a coragem do apaixonado Luiz Marques (nem o dinheiro e os oito livros que ele trazia na mala), nada disso teria acontecido. Nada disso. E eu não estaria aqui, agora, ouvindo pássaros na Casa Azul.

Nem você estaria lendo essa minha história.

Aliás, eu tenho a impressão de que teu pai e tua mãe também se conheceram por acaso... Assim como os teus quatro avós.

Pense nisso.

19.10.25.

A história ainda vai continuar.

(...)


E eu fico aqui pensando sobre esse ousado fazendeiro, que teve a coragem sexagenária de abandonar a própria esposa e mais de mil cabeças de gado, só para seguir um grande amor...


O mestre Antonio Abujamra interpreta aqui, no vídeo acima, um breve texto que escrevi sobre meu bisavô.



17.10.25

Tempestade de emoções

Deverei assumir o risco sinuoso dos projetos fascinantes, ou deixar que se esmaguem no meu peito essas paixões enlouquecidas?

Continuo abraçado como sempre à gostosura da surpresa, ou me derreto em nome de pecados que nem fiz?

Deverei permitir que as vontades puras que hoje tenho em mim sejam cada vez mais satisfeitas, ou submeter meu coração apaixonado às regras neuróticas daqueles que ainda nem sabem amar?

Assumirei o compromisso luminoso com essa estética erótica que permeia minha existência — e a torna melhor — ou devo aceitar a proposta de retorno ao passado que me dão de presente?


O que fazer com a negação persistente da minha pureza?

Terei forças disciplinadas para vencer as fraquezas que eventualmente me ataquem?

Continuarei sendo o fogoso corcel negro em disparada absoluta, ou conseguirão eles (os moralistas, os conservadores, os donos da força bruta...) fazer com que morram, por perigosas, essas paixões que me libertam?



Página 352.




15.10.25

Minha Vó Vitalina

Hoje uma homenagem à minha inesquecível Vó Vitalina. E ao meu bisavô maluco Luiz Marques.

Mais uma coisa sobre minha vó Vitalina. No dia em que voltei da Primeira Comunhão, ela me abençoou duas vezes com o sinal da cruz, me abraçou, deu parabéns, assou um pedaço enorme de queijo branco na palha de milho, tomou um gole demoraaaaado de café preto — e me deu um conselho inesquecível:


Meu filho, quando a Tentação do Pecado passar por você — e for um pecado gostoso — você tem um único caminho a tomar: Pense em Deus, ponha a mão no coração, olhe para os lados...

...e peque!




14.10.25

Dia dos Professores

A tabuada não basta. Como não bastam funções hiperbólicas, logaritmos, variáveis complexas, orações subordinadas. Não bastam Euclides e sua geometria, não bastam as teorias. O professor deve ensinar ao aluno a arte de viver com dignidade, com amor, com liberdade.


Não basta falar das guerras, das batalhas, das conquistas — tem que ensinar o aluno a conquistar-se primeiro a si próprio. Ensinar-lhe medir distâncias é pouco — necessário vencê-las. Não basta saber o nome dos rios, temos que fluir. Equações algébricas não resolvem tudo, antes é preciso resolver-se. Em vez das mentiras históricas, o professor deve ensinar as verdades, e o melhor modo de encontrá-las.


Não basta falar de política, o professor tem que ser democrata. Deve olhar nos olhos do aluno e dizer-lhe como a vida é. Aumentar-lhe a coragem de crescer. Ensinar-lhe a lógica das emoções e o amor pelo raciocínio. O professor transmite sabedoria, incentiva o bom senso e o bom gosto. Mergulha fundo no oceano de dúvidas que o aluno tem no coração, e traz o tesouro pulsante lá submerso. Educa, orienta, aviva a chama na consciência de cada. Ao polir a pedra bruta consegue intenso brilhante. Bom professor é aquele que não exige, não cobra — obtém. Não corrige — mostra o porquê. Não hesita quando avalia, não constrange quando examina. E nunca faz da nota uma espada.


O bom professor não só ensina, compreende. Não levanta a voz, amplifica o verbo, convence. É sério — mas ri da própria seriedade. Fala do êxtase, da alegria e da profunda emoção que explode no seu peito quando ensina, como pétalas no riso de quem ama.


O professor mostra ao aluno a diferença entre o silogismo e a serpente. Ensina-o a extrair raiz quadrada com poesia. Demonstra como ser ousado sem ser burro. Jamais abusa da confiança do aluno, não lhe invade o espaço, não procura condicioná-lo. Não cria relações de dependência, nem exerce dominação sádica sobre ele. Infunde-lhe o respeito absoluto pela vida. Prefere o aluno criativo ao bem-comportado. Nunca o explora, é só o conquistador de um novo mundo, que leva o aluno a ver mais — mais alto e mais longe.


Não levanta paredes em torno do aluno, e sim derruba aquelas que houver. Abre-lhe as portas da vida, com veemência. Não o repreende, não o censura, não o recrimina. Mostra ao aluno a importância da inteligência na determinação do seu futuro. O velho dilema entre a caneta e a vassoura...


Como Sócrates, o bom professor não vê glórias no que sabe, não esconde o que conhece, nem oculta o que possa não saber. Brinca, tem confiança em si, e não faz da escola uma cela.


Moderno, convence o aluno a saltar os muros da tradição, porque a aventura está sempre do outro lado. Lógico, respeita aquele que aprendeu a questionar. Não o sufoca com preconceitos nem com juízos de valor. Nem lhe causa medo algum. Transmite confiança, pega na mão, aplaude, incentiva, suporta, conduz, ampara na travessia. Não é hipócrita, faz o que diz e diz o que pensa. É um farol que não vela o que descobre. Mostra um caminho. E não apenas mostra — demonstra, comprova, define.


Aranha em teia de luz, o professor não prende — liberta. Carrega o giz como fosse uma flor, com amor. E quando faz a linha tem firmeza, mas não separa. Ora Dali, ora Picasso, vai colocando a tinta, pondo seu traço, amando seu gesto, compondo a canção. Enaltece o risco do sonho, o círculo do fogo, a pureza da alma, o princípio da vida, o anel da esperança.


Considera o aluno obra de arte quase inacabada. Ama-o como se fosse um anjo. E nunca vai matar-lhe no peito a vontade de ser livre.


O professor é o amigo sincero que ajuda o aluno a superar os limites da vida, desbravando com determinação e ousadia essa fantástica região chamada Experiência.



Enfim — o professor é o Mestre.




www.EdsonMarques.com


Em abril 2024 eu conheci a Professora Guilhermina, que deu aulas no Rodeio. Ela precisava até de um banquinho para subir na carroça que a levava até a escola. E esta publicação é uma homenagem a ela. E também aos Professores Samuel Barbosa, de Itararé, e Oswaldo Porchat Filho, da USP.




O novo livro a ser lançado em Julho de 2025.


13.10.25

Sou responsável

No Caminho da Vida há circunstâncias que eu mesmo crio por ser livre, e outras que me caem na cabeça como se fossem um manto espesso de neblina. Ao aceitá-las — as circunstâncias que eu crio e as que outros criam para mim — acabo tornando-me o único responsável por elas todas. Ou seja, sou o cúmplice do que me ocorre. Há uma vasta teia de relações que mantenho, milhões de papéis que desempenho, alguns agradáveis, outros nem tanto. E quando, supondo-me livre, não reajo no sentido de escolher apenas as circunstâncias agradáveis; quando, supondo-me livre, continuo mantendo relações que me oprimem — tenho que assumir que a culpa é toda minha. Sou o único responsável por minha vida. Pelos acertos e pelas burradas...

Não estou me referindo apenas a relações amorosas. Vale para todas as outras.




12.10.25

Quatro pedaços de pizza

Ontem à noite, comi de novo quatro pedaços de pizza. Eu não tinha almoçado, passei o dia refinando as obras do Condomínio Brasil Colonial, mas isso não justifica tal absurdo. Também tomei vinho branco e coca-cola zero. Devo ter engordado uns quarenta quilos... Acabei dormindo no Palladium (*) sem fazer os mil exercícios de braço. Não fiz os costumeiros abdominais. Nem sequer amor eu fiz. Como se pode notar, preciso tomar providências radicais urgentemente. Vou instalar uma balança nos pés da minha cama. Nos quatro pés da minha cama.

(*) Gostei. E depois fiquei morando quatro anos no Palladium.


Quantos pedaços de pizza você é capaz de comer?



Volume 004.





Vou colocar essa questão no meu livro

Lógica Para Crianças.


Eu aos 13 meses de idade.

Hoje é o Dia das Crianças.

10.10.25

Aulas de mandarim


Seis volumes.

Até a Lunna já está aprendendo mandarim


]

Até a aula número 600
🌷🩵🌷

E ensino também, usando o mesmo método.

O nome talvez seja

Shinese com S mesmo.


E também tenho o Projeto de 
Click acima para ver.


9.10.25

Um simples imortal

Eu não escrevo para o futuro: eu escrevo do futuro. Porque hoje já é futuro — mas muitas pessoas ainda estão no passado. Por isso não me compreendem. Minha linguagem, embora refinada, é bastante simples. Eu uso metáforas e parábolas para facilitar o entendimento daquilo que eu pretendo dizer. O fato de muitas pessoas não me compreenderem (inclusive da minha família) não quer dizer que eu esteja necessariamente errado — nem elas. Apenas não estamos no mesmo tempo. A compreensão de um texto pode demorar muito... Veja, por exemplo, o caso de Jesus: há dois mil anos ele disse coisas maravilhosas que ainda hoje não são compreendidas. Então, por que é que eu, um simples imortal — que em certos aspectos sou bem menos capaz do que Jesus — teria que ser sempre compreendido naquilo que escrevo?





7.10.25

Te deixarei voando

Se eu já te amasse tudo deixaria agora mesmo de te amar o resto, meu amor. No dia em que atingirmos o pico, nosso amor se completa. Por isso, quando a hora chegar, te deixarei voando...



Que não se perca o triplo sentido da minha última frase. Este é o ponto: Te deixar voando. Porque, na maioria das vezes, quando as relações ditas amorosas se quebram, um sempre deixa o outro caído, espezinhado, humilhado. Nas separações, raramente se deixa o outro em condições de voar — e voando! Mais precisamente: é raro querer deixá-lo assim. Quase sempre impera o rancor (quando não ódio) entre os separantes — antes tão amorosos... 

Nos meus casos ocorre exatamente o contrário: eu sempre deixo meus amores voando, em três principais sentidos. Quais sejam: 

1 — Eu as deixo imediatamente, assim que concluímos que nenhuma novidade pode mais haver entre nós. 

2 — Eu saio voando, planando, deliciosamente nos braços do vento, e sem sequer olhar para trás. 

3 — Elas também ficam voando: exercendo o voo que aprenderam comigo e amando a própria liberdade mais ainda.

Claro que tem algumas que não sabem voar quando as conheço. Tem mesmo. Muitas. Mas, a primeira coisa que faço com esses meus novos amores não alados é fazer com que lhes cresçam as asas. E que estas sejam maravilhosas, magníficas, enormes, inquebráveis. 

Quero que esses meus amores adorem voar o próprio voo e que amem fundamente a liberdade. Faço isso porque não quero ter sentimento de culpa quando as abandono lá no Pico. Sei que jamais cairão, pois eu as deixo sempre extremamente capazes de voar. E com suas duas asas abertas...

Só pra finalizar: tem algumas que voam muito melhor do que eu. 

Aprendo com elas!





5.10.25

Paulo vive

Ele era um louco por metáforas e céus azuis enluarados. Ficou cego porque via demais. Assim como Jesus, todas as irmãs, com duas ou três exceções, o detestavam. Criativo, montava estruturas geodésicas já aos cinco anos de idade. Dizem que, quando criança, transformava bujões de gás em lança-chamas. Peralta como um saci.

Era bom de cálculo: aos dezessete, passou direto no vestibular de Engenharia da Poli-USP. Mas não fez o curso porque sentia-se responsável pelas próprias razões... Ou por outras, que talvez não saibamos quais.

Bebia um pouco muito
, e ficava meio chato quando bebia. Nessas horas, costumava desenterrar defuntos. Por isso a distância entre nós era quase sempre necessária. Mas, nos momentos de lucidez (se é que podemos chamar de lucidez esses períodos em que o sangue está seco), nos raros momentos de lucidez, ele tinha uma conversa boa, amável, carinhosa.

Formou-se em Pedagogia, virou jornalista, criou um site de negócios, comprou um sítio no Paraná, plantou trinta mil pés de eucaliptos, fabricou carvão, e teve um açougue. Três ou quatro filhos. Gostava de política, e era crítico da esquerda. Sua coluna no jornal da cidade durou dez anos.

Na última vez em que nos vimos, janeiro de 2011, almocei na casa dele, na área enorme cheia de flores e lembranças. O almoço foi ele que fez. De vez em quando eu dizia, olha, tá queimando... E ele então corria lá pra cozinha. Por sugestão minha, pegamos a comida nas próprias panelas. Sentamos ali, ao lado do jardim, e ficamos conversando por três horas. Sobre a vida, que ele, contraditoriamente, amava tanto. Sob um caramanchão esquisito que tinha até um pé de bucha... Me deu uma, que ainda está na mala que nunca desfaço.

Na saída ele me disse, leve uma rosa. Era a mais bonita, lá no alto da roseira. Levei. E dei pra Mãe.



Morreu hoje.

Não o Paulo, mas a rosa.







Duas das coisas que o mataram, além do álcool: excesso de genialidade, e a incompreensão da família, especialmente das irmãs. Pedi aos filhos dele que lhe guardassem os papéis, os originais, os rascunhos, os recortes — pois vou escrever um livro sobre ele, ano que vem. Talvez uma biografia romanceada.




Uma homenagem ao Paulo, cujo aniversário de nascimento é hoje, 05 de outubro. Quando nos encontramos pela última vez, na casa dele, não foi sequer possível tomarmos uma cerveja. Mas ele fez um almoço delicioso.  Inesquecível.

E ele morreu sem me avisar...


E só agora eu descubro que ele era muito mais inteligente do que deixava transparecer.


Comentário do Professor Samuel Barbosa em 05.10.2015.






Também escrevi um poema de amor para o Beto.
Click neste link para ler.

E estou escrevendo um para o Zezé.
Já tenho parte escrita.

4.10.25

Bandeira no alto

Na defesa da Liberdade temos que ser radicais.

Impossível ser revolucionário com a bandeira no meio do mastro. 


Temos que hasteá-la toda!


Mas nem todos podem — nem querem — ser revolucionários...


Tem gente que nasceu pra ser igual. Tem gente que nasceu só para engrossar o rebanho dos conformados. Tem gente que não defende a Liberdade, nem a pau. Nem a própria, nem a do outro.


Texto original escrito em 2008.




2.10.25

Desapego charmant

O apego é sinal de insegurança e falta de personalidade. Mas, se você tiver necessidade absoluta compulsiva de apegar-se a alguma coisa, apegue-se logo a uma Mercedes conversível, e não a uma canequinha de lata.

Apegar-se a uma coisinha comum, é imperdoável. É como apegar-se a uma canequinha de lata, ou a um saquinho de tranqueiras...

É ridículo!

Por que amar um jacaré se você pode amar um Deus?

O foco desse meu texto tem duas vertentes. A primeira é o horror ao apego. Mas deixei uma alternativa para quem não consegue livrar-se dele. Que possa então escolher algo mais interessante para apegar-se: algo melhor do que uma canequinha de lata. Algo que possa dar mais prazer. Suponho que um Camaro preto dê mais prazer do que uma canequinha de lata. Mas nem todos concordam com isso. Tem gente que nem dirige...

A segunda é a confusão entre apego e amor. Entre apego e gosto, preferências, escolhas, desejos. Eu gosto muito de pão e café: será que sou apegado a pão e café? Eu gosto de vinho e estrelas, eu amo a liberdade, eu amo a minha Mãe, eu amo meus amores: será que sou apegado a isso tudo?


Porque sou zen. E porque sou zen e lógico, suponho que sou zen. Entretanto, tem gente que se apega a beijos, a flores, amores...


Tudo vem da cabeça. Até o coração vem da cabeça. Inclusive os olhos. E os meus olhos se arregalam, mesmo, diante de uma Mercedes conversível preta. Diante de uma obra de Niemeyer, de um poema de Neruda, de um sorriso de criança. Meus olhos se arregalam diante de um belo corpo de mulher menina.


E se isso for demonstração de apego, contradigo a minha própria zenidade.

Esse assunto ainda vai longe...




1.10.25

Feliz aniversário!

O presente de Aniversário que eu quero te dar
não pode ser comprado:
Não tem nas lojas, nos mercados, nem nas feiras ou balcões.
Não é feito de plástico, não é eletrônico, nem precisa de manual.
O presente de aniversário que eu quero te dar
já está dentro do teu próprio coração.

Basta que você agora o desperte para a vida:
É o amor pela liberdade absoluta.
É a admiração extrema pela Arte de Viver.
A defesa inabalável da ideia de justiça, de verdade e de prazer.
A coragem de sonhar transformações.
A busca cotidiana por tudo que é sublime,
e o doce desejo de sugar o açúcar de todas as coisas.

Feliz Aniversário!






30.9.25

Depressivos e saudáveis

Eu escrevo para amantes e sensatos, ciumentos e malucos, depressivos e poetas... Tento a todos incendiá-los com meu verbo ensolarado. Invento-lhes metáforas alegres, e dou-lhes chaves e faíscas com que abram suas portas. Certos dias dou-lhes minha luz escandalosa e minha mão cheia de creme, mas em outros só pretendo inundá-los de profunda escuridão. Alguns dias dou-lhes uma dúzia de tijolos e um pouco de cimento, mas em outros só lhes trago duas rosas vermelhas e um vasinho de lírios. Às vezes, acabo revelando-lhes certas senhas que resolveriam com amor os seus enigmas — e talvez por isso mesmo é que alguns fogem de mim, apavorados.







Original publicado por mim em Junho 2011.


.

28.9.25

Olhe para os lados

Agora mesmo, onde você estiver, olhe para os lados. Ajuste a consciência, apure a sensibilidade, abra seu coração, respire fundo, olhe para os lados outra vez, e responda-me sinceramente:


São?!

Porque, se assim não forem, responda-me:


(...)


Mas a pergunta pode ficar ainda mais radical:

— Você manteria relacionamento com uma pessoa que não é amorosa, ou não é compreensiva, ou não é inteligente, ou não é excitante, ou não é audaciosa, ou não é livre, ou não é saudável, ou não é brilhante, ou não é honesta, ou não é sensível, ou não é delicada, ou não é independente, ou não tem entusiasmo algum pela vida?






26.9.25

Se eu pudesse começar de novo...

A vida é muito curta.

Isto é fatal.

Mas,
se eu pudesse começar de novo,
tomaria certos cuidados que nem sempre tomei:
Jamais teria permitido que me prendessem,
ainda que em nome do amor.


Teria quebrado as correntes logo no início.

Teria tido menos pressa
e mais coragem.

E nenhum sentimento de culpa.

Daria valor secundário
a todas as coisas secundárias,
e consideraria secundário tudo aquilo
que não tivesse o efetivo poder de causar
mudanças significativas no rumo
da minha vida.

Todas as manhãs começariam
com meditação, esplendor e frutas leves.


Se pudesse começar de novo,
dançaria muito mais
do que dancei,
e brincaria muito mais do que brinquei.

Minha Vida seria uma festa...

Se pudesse mesmo começar de novo,
seria mais espontâneo.

Seria mais ousado:
A ousadia move o mundo.

Desobedeceria
todas as regras injustas,
e afastaria os preconceitos e a hipocrisia.

Procuraria respeitar sempre
o Deus de cada um.

Teria viajado muito mais do que viajei.

Correria mais riscos.

E teria tido seis milhões de amores profundos...

Se eu pudesse começar outra vez,
iria aprender com os erros dos outros,
e com os acertos também.

Andaria mais leve:

não levaria comigo nada que fosse
apenas um fardo.


Não teria desperdiçado tanta vida
e tanto tempo.


Não teria tentado salvar todo mundo.

Amaria muito mais a liberdade.

Viveria cada minuto
como se Deus
derramasse flores e estrelas na minha cabeça.

Tentaria uma coisa nova
todos os dias.

Em tudo que eu fizesse colocaria
mais Poesia,
mais Amor, mais Alegria.


E teria feito a opção de ser feliz
muito mais cedo
do que fiz.


Edson Marques

Manual da Separação
página 71



Este meu texto (apenas o tema) foi inspirado num poema chamado INSTANTES, de "Nadine Stair" (Don Herold), erradamente atribuído (inclusive por Bono Vox) a Jorge Luís Borges. Veja detalhes AQUI e também no Jornal de Poesia. (uma explicação.)




Eu optei por ser feliz aos doze anos de idade. Já lia muito, inclusive Pitágoras, Neruda e Karl Marx, mas não foram (só) esses três que iluminaram os meus caminhos. Eu olhei para os lados, e vi a vida sem graça que as pessoas do meu meio viviam. Aquilo me chocava. Eram pessoas infelizes, que só reproduziam relações antigas, só seguiam as regras. Acomodadas e passionais. Então, analisei as circunstâncias, vislumbrei um futuro, estudei ainda mais — e tomei a decisão. Conscientemente. Elaborei um Plano de Salvação. E o segui à risca. Com disciplina, com amor, com muita leitura, com estudos profundos, com determinação.


Deu certo.


Esse poema, portanto, não foi feito para mim, pois a a maior parte do que ali se diz eu já faço desde que me conheço por gente. Cometi alguns erros, é claro. Liguei-me quatro ou cinco vezes a pessoas ciumentas, e sofri por manter tais relações por períodos demasiado longos (no total dessas relações, perdi uns três ou quatro anos de vida). Por descuido, também tomei algumas decisões equivocadas, em outras áreas, mas tudo se resolveu (maravilhosamente bem) a seu tempo. O que lamento mesmo, e lamentarei até o fim dos meus dias, é ter perdido aqueles quase três ou quatro anos em relações com pessoas ciumentas, inseguras, possessivas e, por consequência, tediosas. E esse tempo é irrecuperável. Houve também alguns jacarés nos quais depositei confiança e saquei mordidas — mas essa é outra história...



Eu, no dia em que ia cortar os cabelos, em 1982.



25.9.25

Minha primeira empresa

Quando me perguntam sobre o que sou e o que faço digo apenas que sou um Criador. Tenho ideias, muitas, sobre vários temas, todo dia. Projetos, sonhos, invenções. Planos loucos, inclinados, geniais. Alguns são colocados em pedaços de papel, outros vivem no meu próprio coração. Muitos viram livros, amores, empresas, relações, consultorias. O importante é que meu primeiro grande amor foi Marina, aos sete anos de idade.


Hoje sou um analista de sistemas. Um analista de circunstâncias.


Mas meu primeiro empreendimento foi na área de calçados, também aos sete anos (fui engraxate, por duas ou três horas). Depois, a AJAN — Aliança Juvenil dos Amantes da Natureza — foi considerada subversiva pelos militares, que a fecharam. O meu time de futebol durou só dois anos, pois concluí que era melhor continuar sendo o craque do time do que ser apenas o dono da bola. A administração do Boteco (que depois virou armazém e quase mercado), até os 15. O Restaurante, aos dezesseis, em cuja construção aprendi com meu Pai a beleza do piso cerâmico em diagonal, continua funcionando até hoje. O terceiro projeto comercial, aos 22 anos, logo após ter sido gerente de informática na Protin, foi a K-Misster, que virou minha segunda empresa — e que abandonei de modo romântico e poético, como se pode ler dando um click na imagem seguinte: 




Como já disse acima, aos 22 anos eu montei minha segunda empresa. Uma confecção. O nome era K-misster, e ficava na Avenida Nacionalista, número 100, Itaquera, SP. Aluguei um galpão, comprei doze máquinas na rua São Caetano, montei um bom estoque de tecidos, que comprei na 25 de março, contratei dezessete costureiras e soltei o meu barquinho em alto mar. Eu também desenhava os modelos. Cheguei a vender, entre outros, vários lotes para as Lojas Piter, que ficavam ao lado do Teatro Municipal. Mas a fábrica era muito longe, e eu queria curtir a vida e estudar filosofia... Depois de três ou quatro meses larguei tudo. Dei as máquinas para as costureiras, comprei um carro conversível — e saí pelo mundo. Viver novas experiências.

Deu certo.




24.9.25

Três tipos de relacionamentos

Eu quero que neste final de ano você mantenha apenas três tipos de relacionamentos:

1.
Os que te dão prazer e alegria;

2.
Os que são necessários à tua sobrevivência;

3.
Aqueles que te trazem boas informações ou sabedoria, estimulam a criatividade e te fazem progredir.

E que todos os demais sejam considerados dispensáveis.











23.9.25

Meu irmão Beto

Beto, um dos meus irmãos, começou a ter autonomia aos quinze anos. Com dezoito já tinha carro próprio e uma energia sensual impressionante. Bonito, saudável, simpático, charmoso e elegante. Inteligente. E com dinheiro no bolso. E com uma bundinha arrebitada que até hoje é famosa entre as mulheres. Portanto, tinha tudo para ser o que realmente foi: um conquistador maior do que Alexandre, o Grande.

Mas depois, numa das curvas da estrada da vida, lá nas Colinas de Golan, na Curva do Pelame, derrapou, e foi convencido a se casar. Ou melhor, um casamento enorme caiu-lhe na cabeça como um cofre despencando do vigésimo quinto andar. E não havia mesmo como safar-se, em vista de circunstâncias que agora não me cabe analisar. Era o destino errando no cálculo, como se costumava dizer naquele tempo. Casou-se — e foi um marido exemplar por vinte e cinco anos. Acontece que, para um tipo desses, amante da Liberdade, é impossível ser um marido exemplar por vinte e cinco anos — impunemente.

É contraditório.

Mas Beto foi realmente um marido exemplar. Só não sabemos ainda a que custo. Ninguém pode dedicar-se por tanto tempo a uma relação só — tediosa — e sair sem cicatrizes ou tristezas, traumas, hematomas...

Por isso eu vivia lhe dizendo para que saltasse profundo. Sempre recusou. Mas hoje, até que enfim, ele resolveu saltar. Só que escolheu a porta errada.

Morreu.






Beto morreu na madrugada de 12.12.2012. Ninguém me avisou que ele já estava há quatro dias na UTI... Se não tivesse morrido, em 30/07 estaríamos comemorando o aniversário dele.


Um dado histórico:

Há pouco mais de vinte anos, numa certa noite de outubro de 2004, fui visitá-lo num quarto de hospital em Sorocaba, SP. Ele havia sido internado devido a uma complicação qualquer. Conversamos muito, e ele me pareceu bem, embora triste. Na minha volta ao Guarujá, descendo a Serra, sozinho, gravei um texto que, depois, revisado e publicado no blog Mude, ficou assim:



Eu tenho um irmão chamado Beto. Mas, para ele perceber que a Vida já lhe fugia pelo vão dos dedos, foi preciso que a Morte o visitasse algumas vezes. Claro que ele já poderia ter mudado há muito tempo, mas o medo e as falsas responsabilidades o impediam. Por anos e anos a fio, o coitado bateu ponto no Banco do Brasil, religiosamente. Nunca faltou. Nunca teve uma aventura. Nunca leu um livro meu. Nunca se desviou do caminho traçado por outros. Nunca teve um orgasmo fora de casa. Isto porque, antes de viver a própria Vida, disseram-lhe, ele teria que salvar o casamento, a família, a tradição, a propriedade, a camada de ozônio, a Mata Atlântica, o mico-leão dourado e o Sistema Financeiro Nacional.

Quando ele ficava de saco cheio, davam-lhe mais um — vazio, e enorme...

Fizeram-no quase esquecer como se vive. Trabalhava doze horas por dia, era o primeiro a chegar na seção. Um consultor agrícola competente — ou um modelo de peão, dependendo do ponto de vista. Mesmo quando parado, corria por dentro. Ele se achava indispensável.


Vangloriava-se por ser normal e não ser livre...

Até que ontem à noite, deitado na UTI de um Hospital em Sorocaba, sozinho, de olhos fechados, teve um insight: ele era um homem realmente indispensável — mas indispensável só para si mesmo. Concluiu que o mundo não acabaria se ele morresse ali, estatelado entre tubos e agulhas. Se o seu coração parasse naquele exato momento, o mundo não cairia aos pedaços no fundo do abismo, como ele supunha por anos a fio. Todo aquele antigo excesso de esforço havia sido desnecessário, ele enfim concluiu. De certo modo, havia sofrido em vão. E agora a decisão crucial era mudar — ou morrer...


Acabou sendo salvo pela própria Morte. 


Publico tal texto, novamente agora, porque esse foi um dos alertas que ele recusou-se a ouvir. Persistente, sobreviveu mais oito anos, sem saltar profundo e sem mudar a essência do próprio sufoco. Em verdade, naquela noite de outubro de 2004, Beto não teve nenhum insight. Fui eu que ardentemente desejei que ele tivesse. Aliás, ele detestava a expressão "saltar profundo". Eu e meus irmãos, irremediavelmente, somos diferentes. Somos muito diferentes... 


Assim como não fui aos funerais do Paulo, também não fui aos funerais do Beto. Sou contra velar o corpo: prefiro velar a alma. A propósito, eis o que penso hoje sobre a Morte.