17.6.23

Um pé de alface

Um dia, passou por frente à loja da Tia Ana uma menina descalça vendendo alface. Era 1979. Era inverno, pouco antes do meio-dia. Uma cestinha de taquara trançada, com dois pezinhos de alface — um bonito, vistoso, e o outro, feio, mirradinho, quase murcho. Minha tia, negociante, perguntou o preço, achou caro, mesmo assim comprou um. Um. Comprou um pé de alface, só. O maior, é claro. O mais bonito. E pediu que a garotinha descalça e magrinha fosse entregá-lo, lá naquela porta, a quem atendesse à campainha. Atendeu Mariana, dez anos de idade, bonita, protegida, tratada à cenoura e leite Ninho, pele saudável, com blusa de lã, ainda com o gosto do chocolate quente no céu da boca. Ainda lambendo os lábios úmidos da manteiga Aviação recém-comida no pão sovado. E a menininha descalça, filha do Ridogério, tremendo de frio, com a cestinha de alfaces na mão esquerda, disse à outra: "Tua avó mandou entregar esse pé de alface, aqui". E entregou o mais feio, o mais murcho, o mais difícil de ser vendido depois...

Quando eu soube da história — abominável, segundo minha tia, mas genial, do meu ponto de vista — eu vibrei. Eu e minha Mãe vibramos. E concluímos que, de certo modo, a humanidade ainda não está totalmente perdida. Ainda tem gente inteligente e racional entre os humildes. Entre os famintos. Entre os que passam frio. Como aquela menininha descalça, que vendia alfaces numa cestinha de taquara...


Tem até pé de alface florindo no quintal da Casa Azul.