9.11.22

Meu Pai gostava de poesia

Quando meu Pai chegou em nossa casa na manhã seguinte à invasão da casa das putas (*) eu estava no armazém, escrevendo num papel de embrulho um poema de amor, mentalmente dedicado a Sonia Maria, e que era mais ou menos assim: 

"Depois de acender estrelas / no teu céu da boca / depois de vasculhar os teus encantos / depois de ultrapassar os teus limites / acabei concluindo / que só a união / de duas grandes espontaneidades / pode gerar / e manter / por algum tempo / um belo caso de amor".

Em voz alta, meio sonolenta, leu duas ou três vezes esse poema, passou carinhosamente a mão na minha cabeça e, antes de ir para o seu quarto, dirigiu-me um elogio inesperado: "Bonito, filho! Muito bonito! Escreva mais, escreva mais!"

(Eu só tinha doze anos, e acho que esse elogio me levou a ser hoje um poeta libertário.)