24.7.22

Deus Energia Iracy

Algumas pessoas são abençoadas por um Deus só; outras, por vários. E umas poucas por todos Eles. É o caso da minha Mãe. Um dia, era uma tarde ensolarada de domingo lá no céu, depois do almoço, os anjos todos tocando harpa, São Pedro cochilando numa moitinha de capim. Tudo calmo, quieto, modorrento... E Deus, ou melhor, Jupiter, lá num canto, sentado numa pedra, coçando o saco e pensando na Vida, resolveu fazer uma boa ação. Levantou-se, calçou as havaianas, se espreguiçou, e chamou todos os Outros.

— Venham cá, meus queridos: vamos fazer uma Arte...

Jupiter reuniu os Deuses em torno de si, deu um click no Brasil, e disse:
"Vai ser aquela menina lá!"
. E apontou seus divinos dedos em direção a uma criança que estava correndo no quintal de uma casinha de madeira lá no Sul do Paraná.

Então todos Eles deram-se as mãos e gritaram em todas as línguas:


— Seja bem-vinda, Iracy!

E a menina, que brincava correndo no quintal do Paraná, sentiu um arrepio na espinha, uma espécie de calorzinho inexplicável. Olhou prá cima e não entendeu o que tinha acontecido — e continuou a brincar. Até hoje ela diz que não sabe bem qual foi a causa do arrepio...

Tinha que ser assim. Afinal, ela já estava grávida de Mim desde que nasceu.

Bem-vinda ao clube, Mãe!


Esta é uma homenagem à minha Mãe, que já está me esperando para o Natal. Texto escrito em 06 de dezembro de 2010.







A seguir, um texto que escrevi em 2005, numa manhã ensolarada de domingo, no Guarujá, quando acordei e vi uma foto dela ao meu lado, num quadrinho de moldura dourada:




Hoje acordei de manhã, esparramado na sala depois de ver o começo de um filme, e havia uma mulher me acariciando, emoldurada, pertinho do meio copo de vinho vermelho caído no chão que esqueci de tomar, entusiasmada, segurando uma bacia de girassóis. Essa mulher, que nunca vi triste, que incentivou sempre todos os meus amores, me inspira suspirando, me aceita como sou — e me diz, toda hora, que o verdadeiro amor é a união de duas espontaneidades, a fusão desgovernada de dois devaneios. Me ama, eu sei, mas antes de me amar, sei que ama o infinito absoluto onde eu danço as minhas próprias escolhas profundas. Desde que nasci, essa mulher me alimenta de leite, amor, vitaminas, desapego, matemática, feijão, arroz e liberdade. Achava melhor ensinar-me a ser homem do que pregar-me um botão. Toda noite me contava histórias pra que eu não dormisse. Cantava o Kyrie Eleison como se fosse uma canção de ninar pelo avesso. Jamais quebrou as lanças da minha ousadia, nem pensou em cortar-me as asas de pássaro livre. Ainda me ampara com firmeza, sustenta-me a alma e me aplaude as loucuras. Nunca brigamos. Mil quilômetros nos separam hoje, mas sei que ela me ama da única forma que uma mãe ama seu filho: incondicionalmente. A recíproca também é verdadeira. Então dou um beijo na boca da foto, me viro de lado e volto a ver Kurosawa. Quero sonhar com Van Gogh de novo. E, porque sou produto escandaloso de uma deliciosa mitologia grega, sonharei com Freud também, naturalmente.