10.3.10

pense em deus

Minha vó Vitalina rezava todas as noites, ajoelhada aos pés da cama, ao lado de uma lamparina acesa numa pequena xícara velha com azeite espanhol. Era religiosa demais, acreditava cegamente no Deus cristão, mas nunca ia à igreja. Usava avental xadrez remendado, tomava café no bico do bule, e fumava cigarro de palha. Não tinha nenhuma cultura formal. Morreu aos noventa e quatro anos sem sequer saber quem foi Van Gogh, sem jamais ter ouvido a Nona do Beethoven. Com certeza, nunca leu Nietzsche, nem Platão, nem Edson Marques... Mas tinha uma sabedoria que marcou muito a minha vida. Um dia, enquanto colhíamos grãos maduros de café no quintal da casa dela, eu lhe fiz uma pergunta a respeito de amor e sexo — um assunto palpitante para o meu coraçãozinho infiel e eternamente apaixonado, que então só tinha sete anos de idade e uma montanha de dúvidas.

Eis a resposta que ela me deu:

— Meu filho, quando a tentação do pecado passar por você, e for uma tentação muito gostosa, você tem um único caminho a tomar: olhe para os lados, pense em Deus, respire fundo...

E peque!

Sigo à risca!



O mais importante é que ela me ensinou a pecar sem culpa — e isso eu jamais esquecerei. Tinha um pé de café lá no fundo do quintal, ao lado de uma roseira, e eu ficava colhendo só os grãozinhos vermelhos, que eram bem doces. Havia também um velho torrador de manivela meio enferrujado, um fogão de lenha limpíssimo, e muitas histórias de amor. E uma ciência sutil que só as mulheres eleitas por Deus conseguem ter.

O processo todo das lições que ela me dava é muito longo — passa até por um despertador de alumínio, um Jesus de madeira corroída, uma bicicleta vermelha e várias tentações. Um dia desses vou descrevê-lo aqui.

Ela ainda assava queijo branco na palha de milho, todo dia, e me olhava com seus olhos de mistério. Mas, a imagem que mais me volta hoje à lembrança... é minha vó Vitalina olhando o Botticelli pregado na parede da sala, e tomando café no bico do bule. Delicadamente — como se fizesse amor.


Vou agora fazer o meu.

Antes que a noite acabe e a lua se vá.