A perna da minha cama um dia se quebrou — e o Fausto foi a salvação. Goëthe, claro, também dormia aos meus pés, mas Arthur Rimbaud... ah! como eu queria tanto ser ele! Fiz a Beleza sentar-se toda no meu colo — e gostei. Nietzsche, Lorca e Henry Miller também eram tijolos que amparavam minhas noites bambas. Eles acendiam luas novas na escuridão incendiada do meu quarto crescente. Aos doze anos eu abri minha cabeça — e aos dezessete, escancarei meu coração. Já tinha a coragem de saltar profundo, brilhantes perspectivas, grandes horizontes, sonhos e delírios — e um futuro radiante, ensolarado.
Mas nenhum presente!
E aqui reside o segredo principal do meu sucesso como louco: viver sem nenhum presente.
Se eu não mudasse, sei que afundaria junto com as circunstâncias. Era preciso portanto que eu sumisse dali, que abandonasse tudo o que me era próximo. Tudo: pai, mãe, irmãos, a família, os amigos, o dentista, o professor, o padre, as namoradas, minha vó, meu desespero. Eu tinha que abandonar tudo — inclusive minhas idéias, especialmente as preconcebidas. Os cobertores, a pátria, a religião, e até mesmo o meu querido cavalo Estrela. Meus lençóis de cetim, meu quarto, minha cama, meus recortes de jornal. Eu tinha que abandonar tudo. Eu precisava me desligar do passado e — como não tinha presente — jogar-me de cabeça nas águas revoltas do coração do mundo, na incerta e gloriosa correnteza da minha vida.
Porque eu já sabia que só o rio da vida é alegre.