O cabelo dela ainda me acena do abajur, preto e longo. Às vezes um fio de cabelo dura mais do que um fascínio. Não que eu seja volúvel: o tempo é que é fatal.
É sempre assim.
No primeiro dia, beijo-lhe os pés delicados, chupo-lhe os dedos, um por um, sinto todos os perfumes, percorro-lhe os vãos, os meandros, as curvas, minha língua coleando seus caminhos de amor. Êxtase total. Porém, depois de uma semana, ou duas, antes de fazer isso já lhe passo um pano quente para retirar areias finas. Passo cremes, faço massagens, repito operações. Ainda existe amor nos caminhos que percorro — e tanto. Mas, depois de um mês, ou dois, já me esforço muito para lembrar que ela tem pés. E se tento beijá-los, às vezes me distraio. Há pedregulhos nos vãos dos seus dedos, o perfume parece que se foi. Minha língua se transforma então em cascavel inexplicável que foge apavorada de um deserto sem fim.
Um ano depois, ou dois, tudo tem gosto de areia...
Acho que é o tempo.
E o vento.