18.6.08

Eloisa e o muro de Berlim

Catarina morava numa casinha de madeira aconchegante, parecida com aquelas dos contos de Andersen. Decorou a sala toda com cortina acetinada e almofadas de algodão. O ambiente era propício para ouvirmos nossas músicas preferidas e falarmos da vida e do amor. E a cozinha, impressionante, era onde Babette fazia festas. Mas o que havia de mais belo era o jardinzinho lá da frente, onde sentávamos à tarde para ver o pôr do sol. À esquerda, ficava uma roseira exuberante; à direita, um canteiro de gerânios e um vasinho de jasmim.

E a dedicada Catarina, quando chegava cedo do trabalho, ficava ali, sentadinha e silenciosa, com às vezes um livro nas mãos, vendo o sol se despedir — e esperando seu amado imortal que se chamava Crepúsculo. Era sempre um crepúsculo cor de abóbora, que saltava alegremente aquela cerquinha de ripas azuis e lhe beijava o rosto inocente.

Tudo era poesia naquela bela e doce casinha de madeira.

Até que um certo dia chegou um certo caminhão. Errado e barulhento. O motorista já desceu com a sentença de morte na mão: na verdade, uma estranha nota fiscal.
E logo pergunta, ameaçador:
— É aqui, moça, que eu descarrego o bendito material?
— Não... — responde ela, encabulada, pois não sabia de nada.
Mas o que era esse material veredito que se descarregou na calçada?
— Areia, tijolo e cimento.
Ódio, desgraça e tormento.

Mais uma vez a liberdade seria acorrentada.

Tudo era poesia e delicadeza na casinha de madeira da delicada Catarina. Tudo, exceto seu marido, um jacaré que se chamava Escuridão. E que decidiu naquele dia — pelos dois e por ciúmes — prender a luz do sol, pisotear os canteiros, trancar o crepúsculo, apagar a emoção.

No dia seguinte, a cerquinha de ripas azuis foi derrubada a golpes de marreta. E em seu lugar se levantou um enorme e cinzento Muro de Berlim. A roseira perdeu a exuberância, os gerânios morreram de desgosto — e minha irmã nunca mais sentou-se no jardim...



Acontece que Catarina é guerreira por princípio, e não se deixa prender. As coisas não ficariam assim. Ela armou-se de amor e de coragem, escolheu a hora certa — e voou com precisão por sobre o Muro de Berlim.