23.10.25

Ontem eu salvei uma vida

Às vezes, salvar uma vida nos dá tanto prazer quanto ter um orgasmo. Por isso é que eu adoro salvar vidas — algumas, pequenas; outras, enormes. Houve até um dia em que salvei a vida de uma bela formiguinha. Mas, ontem à noite, salvei Tereza. Ela cometeu o desatino de aventurar-se num projeto muito arriscado. Em busca talvez de comida, e por imprudência, foi até onde não devia. 

Eis como tudo aconteceu. 

Era madrugada quando cheguei. Acendi a luz da cozinha e lá estava ela, no fundo da pia, tentando desesperadamente subir pela parede lisa e fria, inoxidável, da cuba de aço. Não tenho certeza se era mesmo Tereza, mas dei-lhe esse nome. Assisti, por dois ou três minutos, o seu desespero e o seu esforço. Coitadinha, pensei. Se eu abrisse a torneira ela seria levada para dentro do cano escuro...


Eu poderia abandoná-la ali, à própria sorte — ou falta de. 

Mas, não! 

Então, tomei de um pedaço de papel e a convidei para que nele subisse. A princípio, ressabiada, recusou. Talvez por ser uma baratinha órfã, cuja mãe tenha sido morta a chineladas. Porém, depois, confiante nas minhas boas intenções, concordou: olhou para mim, e subiu na plataforma de papel. Em seguida, conduzi-a até a janela dos fundos e coloquei-a no lugar mais seguro que encontrei ali. Olhamo-nos nos olhos, docemente, e pude ver duas lágrimas descendo pelos dela. Acenou-me com suas duas anteninhas — e se foi.