28.1.23

São Vito

Isso é que eu chamo de milagre. Ontem à tarde minha Mãe contou-me sobre um santo, "protetor dos perturbados", cujo nome é Vito. Não achei o ícone de barro nem na lojinha de umbanda que tem ali na esquina, mas encontrei uma biografia dele na Internet, acompanhada de uma reza estranha, que era muito negativa, só falava de sangue, pesadelos, furor, inveja, ressentimentos. Só miséria, fome, dor, tribulação, calamidade. E para o pecador é ainda "sete vezes pior". Ora, se alguém ler aquilo à beira de um abismo — se atira. Acho que o Vito, ao inventar tal reza, pretendia povoar o céu com milhões de desgraçados.

Então, antes de mandar pra ela, fiz alterações, cortei, substituí, acrescentei... Editei tudo, começando pelo nome. Onde "Prece do reconhecimento das limitações" — ficou: "Prece de Conhecimento dos limites e do Poder de Reagir".
Alterei tudo na oração. Coloquei belas metáforas, auroras, brilhos, pintei um sol alaranjado, coloquei futuros, ousadias, compreensão e esperança. Deixei alguns pesadelos, é claro — para não tirar a originalidade — mas coloquei sonhos, todos recheados com marmelada de goiaba. Ficou um texto limpo, poético, doce, que anima e dá coragem a quem pretende viver.

Ela então ligou-me agradecendo:
— Nossa, Edson, como é linda essa oração!

E ficou contente com a minha "reza de São Vito".

Como você vê, às vezes é preciso inventar histórias até para nossa própria Mãe...

Por falar nessa Mulher que me gerou:

Certo dia, quando eu era ainda mais bebê, dois meses de idade, talvez três, tive uma convulsão maravilhosa. Fiquei azul — e a família inteira ficou chocada. Foi um rebuliço. Afinal, eu era o primogênito. Mas o que eles não sabiam é que era só o meu sangue voltando à sua cor definitiva...

Apenas minha mãe não chorou.

Sabe por quê?

— Porque ela é a santa que me pariu.

E que me conhece bem.

Aos seis anos eu também quebrei a moringa na beira do poço e acabei trazendo água na própria camisa. Ela nem se espantou...