São muitas as razões pelas quais alguém resolve manter um relacionamento que já se desgastou com o tempo. Refiro-me a relações de amizade, de família, de trabalho, e amorosas. Neste breve ensaio vou me deter na análise de um certo tipo de relação dita amorosa, mais especificamente, entre homem e mulher, adultos, já com ocorrência ou não de casamento tradicional, monogâmico, monocelular, fechado. Com ingerência supostamente estabilizadora marcante de ciúmes e controles, de parte a parte. Só para facilitar o raciocínio a que ora me proponho, vou, em princípio, supor que o pacto de fidelidade e exclusividade sexual é respeitado por ambos os parceiros — espontaneamente pela mulher, e dolorosamente pelo homem.
Vou também supor que existe uma certa paridade intelectual entre os parceiros em questão, visto que, quando há disparidade, a relação se torna mais complexa, de modo diretamente proporcional a este suposto desnível. Vou escolher um casal classe média. Nem dois analfabetos — pois estão fora da crítica, nem dois pós-graduados na USP — pois estes nem entrariam nesse tipo de relação.
Também vou supor que não sejam extremamente pobres, pois, neste caso, só viveriam correndo atrás de comida, e nem sobra tempo pra discutir a relação. Nem vou supor que sejam ricos, porque, neste caso, já teriam resolvido com seus advogados ou terapeutas.
Vou chamar o Mané de João e a Maria, de Maria.
Primeiro vou analisar o caso do ponto de vista da Maria. Filha de pais separados, por divórcio, por viagem, por viuvez ou abandono. Colegial completo ou superior já trancado por falta de ânimo, de tempo ou de dinheiro. Moradora de subúrbio, acima do peso, acredita em horóscopo. Monoglota. Português, malemá. Não sabe nem que o the book fica on the table. Música, só forró e Leo Santana. Com sonhos de virar patroa e ter uma empregada futuramente. Sem filhos, mas vive dizendo que quer ser mãe antes dos trinta. Ou dos quarenta, quem sabe. Sem planejamento, como sói acontecer entre os pobres. Depois desses anos todos (cinco, talvez), já perdeu a tesão pelo marido. Não se masturba. Antes, porque achava que era pecado. Agora, por falta de vontade. Mas bem que olha para alguns homens na rua. O que lhe dá sentimentos de culpa, quase sempre. Acha que já "investiu" demais nessa relação para correr o risco de pô-la a perder assim por quase nada. Dia desses pensou em comprar (e depois comprou) um espartilho e uma calcinha vermelha com cinta liga, dessas que as putas costumam usar. Mas ainda não mostrou para o João. Tem medo da reação dele. Vai que ele não goste.
(...)
Comecei a escrever isto agora, logo depois de ter ligado pra minha Mãe às 12h em ponto, sem que conversássemos, pois me disseram que ela estava almoçando e achei melhor deixar pra mais tarde. Estou agora vendo o sol pela janela do sétimo andar, as pessoas ali na praia, as ondas ao longe. Acho que posso abrir a segunda garrafa desse delicioso Chardonnay chileno, Carta Vieja.
E vou ficar pensando um pouco mais nessa tragédia da Maria e do João. Confesso que se eu vivesse a vida que eles levam — saltaria pela janela.
Sem pensar...
Volto mais tarde.
Talvez.
🔴
Texto originalmente escrito em 25.12.2018. Guarujá.