2.10.21

Metade de infinito

 Todo sonho tem um preço.

E é melhor pagá-lo à vista do que não tê-lo.


A todo instante eu vivo um momento único e ultrapasso um ponto de não-retorno. Vejo agora uma virgem deitada de bruços em minha cama, sem blusa, os seios parecem frutas acariciando o lençol branco de algodão. Ela ainda está de calça preta, sandálias de amarrar. Tem um rosto lindo e cândido que me lembra Adna, aquela. Há incenso indiano queimando no chão, espetado numa laranja, e a música de Yanni, gravada no Taj Mahal, preenche tudo aqui de magia, de agora e de amor. Vou levar-lhe o suco e depois me safar: virgem é um perigo! E me lembro do melhor presente que já ganhei, dado pela inesquecível Adna. Inesquecível por um K2 de razões, mas principalmente porque Adna Mattos Gurgel teve um papel determinante na minha vida. Tanto, que ela seria a mãe de Maria Paula, filha que talvez teríamos, fruto de uma paixão deliciosa, quase desesperante. Nós nos amávamos, sim, profundamente, mas também tínhamos nossas inquietações particulares...

Tem presente que é só uma quinquilharia, uma bugiganga. Mas tem presente que pode mudar o futuro de quem o recebe. O que Adna me deu aquele dia era uma simples folha de papel, com o que disseram sobre mim:

“Todas as aptidões específicas são bastante superiores. Personalidade bem formada. Boa linha de conduta. Metas bem definidas, determinando uma ação bem programada. Atitudes ponderadas e sensatas, com sinais claros de um bom senso de responsabilidade. Disposição para aceitar idéias novas. Espírito aberto e progressista. Desejo de alcançar uma boa expansão pessoal. Interesses intelectuais bem orientados. Vivacidade mental. É bastante teórico, mas nem por isso deixa de lado os aspectos práticos da vida. É por isso muito objetivo no seu raciocínio. Faz um curso de Filosofia Pura, o que muito o ajuda a se desenvolver nesse plano. Sua personalidade, muito bem formada, também lhe permite condições para se realizar no seu trabalho, aproveitando seu potencial em boa amplitude. Os prognósticos sobre o seu desempenho estão completamente a seu favor. Trata-se de um ótimo candidato.”



Este o resultado do exame psicológico 28.047, quando me candidatei (e ganhei) ao cargo de Programador de computadores na empresa Protin Equipamentos de Proteção Ltda. Foi assinado pela psicóloga Cecília P. Cesar, que me entrevistou por uma tarde inteira. Eu tinha dezenove anos e esse relatório, esse presente que Adna me deu mudou minha vida. Definitivamente. Mudou o rumo do meu futuro e também do meu passado. Aquele menino marxista, um pouco introvertido, com cabelos longos, precisava de alguém que lhe mostrasse o tamanho, o enorme tamanho do Lúcifer intelectual que trazia no peito. E se você pensa que o Lúcifer todo ainda me habita, engana-se: é apenas Sua alma que hoje mora no meu brilhante coração. Do corpo Dele já não preciso mais:   Eu uso agora o próprio meu.


Como vêem, minha loucura vem de longe. Aliás, não tenho apenas uma loucura. Para que nossa vida fique muito mais saaudável, em todos os sentidos, o ideal é operarmos com duas loucuras, ambas não excludentes, mutuamente complementares e necessariamente brilhantes.


A Loucura é como a Liberdade:
Só lhe damos valor quando a perdemos.


Por falar em Adna, suponho que aquele nosso amor é a prova mais cabal de que as relações, todas as relações, devem terminar no pico. Para que só fiquem boas e belas lembranças. Eu e ela vivemos juntos momentos inesquecíveis, maravilhosos, por mais de dois anos. Fizemos nossos planos e soubemos desfazê-los, na hora certa, sem traumas, sem rancores. Nós nos separamos no pico da relação. Portanto, aquela Adna, Adna Mary Rangel, só posso mesmo amá-la sempre.


Em outubro de 2011 (há exatamente dez anos, portanto) nos encontramos por telefone. Conversamos bastante, e alegremente, várias vezes. Porém, antes de encontrá-la de novo, ao vivo, preciso escrever algumas coisas sobre aquele nosso tempo. E sobre esse espaço quase infinito que soubemos colocar entre nós dois. (A propósito: ainda não a encontrei de novo, nem por telefone).

É a vida.






Eu não quero ensinar nada a ninguém. Não quero ser mestre nem me chamo Buda. Só quero provocar intelectualmente as pessoas criativas. Quero esmagar todas as convicções, especialmente as minhas. Em verdade, não quero muita coisa: só quero abraçar a metade do infinito, e fazer o sol nascer no céu da tua boca. Quero amar a Liberdade, saltar profundo, e viver a Vida. Dançar abraçado a Nietzsche na corda bamba à beira do abismo. E sempre colocar meu coração no bom caminho -- ou seja, no caminho da perdição gostosa e da alegria desgovernada