9.2.21

Amores desbrilhantes

Hoje todos os meus amores são livres e brilhantes.  Mas nem sempre foi assim. Vou te contar sobre um deles, que aliás foi até bastante opaco. Márcia era uma ciumenta infeliz — que me perdoem a redundância. Embora formada em Letras, a sonsa não lia nem bula de remédio. Fiquei um ano e meio ao lado dela, tentando descobrir o extraordinário no comum. Ou seja, fiquei quase um ano e meio desperdiçando minha vida. Naquele tempo eu ainda supunha ser possível encontrar Amor onde não existe Liberdade. Iludi-me procurando algum tipo de fascínio no que é convencional. Eu tinha a inglória esperança de um dia transformar o medíocre em supremo...


Não consegui.



Eis a página do meu livro Manual da Separação, onde conto parte dessa relação "de amor"...

Sabe por que o carro de boi se chama carro de boi? É porque touro não aceita canga. Quem quer um animal para puxar o seu carro, deve procurar um boi. Aliás, seria uma enorme perda de energia pretender colocar um touro a puxar carro de boi. Seria contraditório. Mas eu tinha uma namorada paranaense que não pensava bem assim. Um dia, estávamos na fazenda do pai dela em Londrina, eu lhe fiz a seguinte pergunta:
— Você acha melhor que eu seja um touro indomável, correndo livre pelos campos da vida, ou prefere ao teu lado um boi manso, amarrado no pasto, comendo capim?
Ela olhou-me de alto a baixo, séria, parecendo avaliar os meus pedaços, e então, num gesto possessivo, indelicado, respondeu-me:
— Prefiro um boi manso, amarrado no pasto, comendo capim, desde que seja meu...

Senti-me retalhado, todo transformado em picanhas num balcão de açougue, num altar de sacrifícios. Naquele momento, minha vida estava em jogo. E só me restou dizer adeus.

Porque, para mim, é impossível ser feliz sem liberdade.

Sei que você sabe disso. E sei também que, no fundo no fundo, você — meu amor atual — você me quer livre como sou: um touro indomável, correndo delicioso pelos prados da vida.

Lembre-se: Se me pressionar — eu desapareço!


E não como capim, nem amarrado...