13.1.17

Deu certo

Se eu não mudasse, afundaria junto com as circunstâncias. Era preciso, portanto, que eu sumisse dali, que abandonasse tudo o que me envolvia. Tudo: o Pai, a Mãe, os irmãos, a família, os amigos, a escola, o dentista, o professor. O time, o futebol, as duas namoradas, minha Vó, meus espetos de picanha e o cheirinho de carvão. Eu tinha que abandonar tudo, inclusive minhas idéias, especialmente as preconcebidas. Os cobertores azuis, a pátria, a religião, e até mesmo o meu querido cavalo Estrela. Eu tinha quinze anos. E tinha que abandonar tudo. Meus lençóis branquinhos de algodão, meu quarto, minha mesa, meus livros, meu baralho, meus recortes de jornal e meu jogo de xadrez. Eu tinha que abandonar TUDO — antes que chegassem a acomodação e a certeza do conforto absoluto. Eu precisava me desligar daquele passado, urgentemente. Eu precisava me salvar. Então, enchi meu peito de futuro e de coragem, de alegria e de relâmpagos — e mergulhei de cabeça na incerta e gloriosa correnteza da vida. Nas águas revoltas do coração do mundo líquido.

Deu certo.