1.2.15

palavras e velas

Tem dias que eu tento conter este furioso coração que salta profundo de mim, e que me fura de dentro pra fora. Selvagem, poético, livre — e meu: eis o meu coração, meu amor: escancarado em teus braços... Porque em mim agora não existem outras estações. A primavera toda cresce dentro do meu peito, e as flores já não murcham mais. Sou um trem desgovernado em direção ao interior. Zen, vazio de tudo mas cheio de graça, com seu louco motivo e doce razão. E o apito sinuoso que se ouve daqui, respeitoso, se curva.

Também não quero que me considerem muito original: eu apenas repito o que me dizem os pássaros. Transformo em português, literalmente, os cantos que eles cantam para mim. E repito-os para que vocês possam ouvi-los de verdade em nossa língua. Às vezes, quando chove chuva e o canto deles vem molhado, limpo um pouco o seu trinado, acrescento algumas notas, pinto-as de vermelho, reescrevo a melodia. E transformo o bem-te-vi em bem-te-vejo. O beija-flor em minha estrela. O pardal em perdão, o tiziu em tesão. E abro todas as gaiolas.

Eu modifico perfumes e flores em palavras e velas — e planto meu verbo num jardim que fala. Hoje há um canteiro de ternuras e rosas no meu corpo falante. Então, as palavas as digo, e as rosas, acendo — ou as uso para singrar oceanos com a força do vento. Por isso é que transformo em ousadia o que me diz a Natureza — e parto em busca de mais aventura e mais liberdade.

Todo dia.