4.7.14

amores desbrilhantes

Hoje todos os meus amores são brilhantes. Mas nem sempre foi assim. Vou te contar sobre um deles, que aliás foi até bastante opaco. Márcia era uma ciumenta infeliz — que me perdoem a redundância. Embora formada em Letras, a sonsa não lia nem bula de remédio. Fiquei um ano e meio ao lado dela, tentando descobrir o extraordinário no comum. Ou seja, fiquei quase um ano e meio desperdiçando minha vida. Naquele tempo eu ainda supunha ser possível encontrar Amor onde não existe Liberdade. Iludi-me procurando algum tipo de fascínio no convencional. Eu tinha a inglória esperança de um dia transformar o medíocre em supremo...

Não consegui.



Eis a página do meu livro Manual da Separação, onde conto parte dessa relação "de amor"...

Sabe por que o carro de boi se chama carro de boi? É porque touro não aceita canga. Quem quer um animal para puxar o seu carro, deve procurar um boi. Aliás, seria uma enorme perda de energia pretender colocar um touro a puxar carro de boi. Seria contraditório. Mas eu tinha uma namorada paranaense que não pensava bem assim. Um dia, estávamos na fazenda do pai dela em Londrina, eu lhe fiz a seguinte pergunta:
— Você acha melhor que eu seja um touro indomável, correndo livre pelos campos da vida, ou prefere ao teu lado um boi manso, amarrado no pasto, comendo capim?
Ela olhou-me de alto a baixo, séria, parecendo avaliar os meus pedaços, e então, num gesto possessivo, indelicado, respondeu-me:
— Prefiro um boi manso, amarrado no pasto, comendo capim, desde que seja meu...

Senti-me retalhado, todo transformado em picanhas num balcão de açougue, num altar de sacrifícios. Naquele momento, minha vida estava em jogo. E só me restou dizer adeus.

Porque, para mim, é impossível ser feliz sem liberdade.

Sei que você sabe disso. E sei também que, no fundo no fundo, você — meu amor atual — você me quer livre como sou: um touro indomável, correndo delicioso pelos prados da vida.
Lembre-se: Se me pressionar — desapareço!
E não como capim, nem amarrado...