Quando eu era mais pequeno, queria muito ser artista ou marinheiro. Entretanto, minha Vó me cutucava, sorria escancarando amor e gentileza, me dava um pedacinho de bolo, limpava suas mãos no avental azul enfeitado de remendos coloridos, e me dizia:
— É muito cedo ainda, meu filho: deixe pra escolher depois.
Eu arqueava a minha boca interrogante, sem saber bem o que dizer. Ela então arrastava seus chinelos cansados até o fogão, e gritava lá do fundo da cozinha, insuperável:
— Hoje vou te dar dois pedaços...
Era minha maior alegria!
O copo de café com leite, transbordando à minha frente, parecia uma escultura. Eu tamborilava meus dedinhos impacientes na toalha de linho branca bordada por Tia Yole. Sinto ainda hoje o gosto do fubá na minha boca, esfarelando, o cheirinho do queijo derretido em palha de milho na alvíssima chapa negra do fogão de lenha. Olho para trás e vejo claramente minha Vó Vitalina, com a boca no bico do bule, tomando café e sorrindo pra mim...
Marinheiro não fui: muito longe era o mar. Hemingway bem que tentou me seduzir...
E agora, quando armo a lona azul celeste do meu circo, subo no trapézio, passo talco e risco em minhas mãos, seguro firme nas cordas, tomo impulso para o salto profundo, olho meus amores todos na plateia — e fico pensando nas escolhas vitais que hoje posso fazer.
Mas me lembro de novo do velho conselho da Vó Vitalina:
— É muito cedo ainda, meu filho...
Tudo tem seu tempo.
— É muito cedo ainda, meu filho: deixe pra escolher depois.
Eu arqueava a minha boca interrogante, sem saber bem o que dizer. Ela então arrastava seus chinelos cansados até o fogão, e gritava lá do fundo da cozinha, insuperável:
— Hoje vou te dar dois pedaços...
Era minha maior alegria!
O copo de café com leite, transbordando à minha frente, parecia uma escultura. Eu tamborilava meus dedinhos impacientes na toalha de linho branca bordada por Tia Yole. Sinto ainda hoje o gosto do fubá na minha boca, esfarelando, o cheirinho do queijo derretido em palha de milho na alvíssima chapa negra do fogão de lenha. Olho para trás e vejo claramente minha Vó Vitalina, com a boca no bico do bule, tomando café e sorrindo pra mim...
Marinheiro não fui: muito longe era o mar. Hemingway bem que tentou me seduzir...
E agora, quando armo a lona azul celeste do meu circo, subo no trapézio, passo talco e risco em minhas mãos, seguro firme nas cordas, tomo impulso para o salto profundo, olho meus amores todos na plateia — e fico pensando nas escolhas vitais que hoje posso fazer.
Mas me lembro de novo do velho conselho da Vó Vitalina:
— É muito cedo ainda, meu filho...
Tudo tem seu tempo.
Mas eu ainda vou contar aqui detalhes sobre o dia em que ela, conversando respeitosamente comigo, e olhando-me com aqueles doces olhos cândidos, salvou minha vida sexual para sempre. Eu tinha sete anos e havia sido flagrado por Tia Yole, às seis da tarde, numa cena poética de masturbação profunda, lá no galpão onde depois seria o Restaurante. Chamaram a Tia Ana e a Dona Risoleta. Fizeram até uma reunião solene para discutir o assunto. Meu Pai e minha Mãe longe, lá no Paraná. Eu estava tremendo, pensando que era pecado... Mas minha sábia Vó me salvou. Depois eu conto essa história maravilhosa.