4.7.12

torresmo de frango

No dia em que fui comer torresmo de frango na casa da Regina, ela reclamou delicadamente que eu quase não apareço, e que isso a faz pensar que está me perdendo. E que essa percepção, supostamente, é a da família toda. Ao que lhe respondi:
— Claro que não, minha irmã! Estou aqui, ao teu lado...
Dei-lhe um abraço forte e lhe disse, entre sorrisos:
— E sempre estarei...

Acontece que tal promessa jamais será cumprida. Era um pouco de teatro, feito apenas por amor. Para não quebrar o clima de festa, pois, sempre que nos encontramos, eu e Regina, instaura-se uma festa entre nós dois. O torresmo estava uma delícia, bebemos e dançamos, a conversa varou a noite. Mas depois, já na cama, fiquei pensando: meus irmãos, todos, estão mesmo me perdendo. Inapelavelmente. É preciso que os meus irmãos (e alguns dos meus amigos, e alguns dos meus amores) me percam, mesmo, definitivamente. Porque eu já saltei profundo demais. Minhas asas cresceram demais... Não consigo mais voltar àquele mundo certinho deles, àquela (para mim) sufocante normalidade. Por essa razão, meu exemplo acaba não lhes sendo construtivo. Sofreriam — se saltassem. Estão por demais amarrados às suas próprias raízes, que morreriam se saltassem. Portanto, é preciso que me percam. Talvez seja preciso até que me expulsem dos seus corações, para que minhas influências românticas não os desestabilizem mais ainda. É preciso que eles me julguem apenas um louco, que não sei nada de nada, e que estou completamente errado naquilo que faço. Aliás, ser livre não é fácil. Requer disciplina, ousadia e coragem. Requer desapego. E no conceito de felicidade deles, essas coisas ainda não cabem. Logo, que a distância amorosa nos seja um bálsamo. Que a distância metafórica entre nós se torne astronômica — se for preciso. Só assim nos salvaremos, mutuamente...

Só uma confissão: Regina é a irmã com quem mais tenho afinidades eletivas. Quando ela esteve na Espanha (na primeira vez) e me disse que gostaria de ir ao Tibet, não foram meus conselhos que a trouxeram de volta: foram as suas noções de responsabilidade social. Por mim, ela teria seguido viagem, sem sequer olhar para trás. E hoje talvez estivesse vestida de azul e tomando chá com leite de iáqui no sopé dos Himalaias. Ou até já poderia estar de volta ao Brasil, dançando ao lado de uma cachoeira cantante em São Francisco Xavier, quem sabe. Mas, naquela viagem, ela teria seguido em frente...