24.12.11

Paulo

Ele era um louco por metáforas e céus azuis enluarados. Ficou cego porque via demais. Assim como Jesus, todos os irmãos, com duas ou três exceções, o detestavam. Criativo, montava estruturas geodésicas já aos cinco anos de idade. Dizem que, quando criança, transformava bujões de gás em lança-chamas. Peralta como um saci. Era bom de cálculo: aos dezessete, passou direto no vestibular de Engenharia da Poli-USP. Mas não fez o curso porque sentia-se responsável pelas próprias razões... Ou por outras, que talvez não saibamos quais. Bebia um pouco, e ficava chato quando bebia. Nessas horas, costumava desenterrar defuntos. Por isso a distância entre nós era sempre necessária. Mas, nos momentos de lucidez (se é que podemos chamar de lucidez esses períodos em que o sangue está seco), nos raros momentos de lucidez, ele tinha uma conversa boa, amável. Formou-se em Pedagogia, virou jornalista, criou um site de negócios, comprou um sítio no Paraná, plantou trinta mil pés de eucaliptos, fabricou carvão, teve um açougue. Três ou quatro filhos. Gostava de política, e era crítico da esquerda. Sua coluna no jornal da cidade durou dez anos. Na última vez em que nos vimos, janeiro de 2011, almocei na casa dele, na área enorme cheia de flores e lembranças. O almoço foi ele que fez. De vez em quando eu dizia, olha, tá queimando... E ele então corria lá pra cozinha. Por sugestão minha, pegamos a comida nas próprias panelas. Sentamos ali, ao lado do jardim, e ficamos conversando por três horas. Sobre a vida, que ele, contraditoriamente, amava tanto. Sob um caramanchão esquisito que tinha até um pé de bucha... Me deu uma, que ainda está na mala que nunca desfaço. Na saída ele me disse, leve uma rosa. Era a mais bonita, lá no alto da roseira.

Morreu hoje.
Não o Paulo, mas a rosa.







Duas das coisas que o mataram, além do álcool: excesso de genialidade, e a incompreensão da família. Pedi aos filhos dele que lhe guardassem os papéis, os originais, os rascunhos, os recortes — pois vou escrever um livro sobre ele. Uma biografia romanceada.




Uma homenagem ao Paulo. Quando nos encontramos pela última vez, na casa dele, não foi sequer possível tomarmos uma cerveja. E ele morreu sem me avisar...