Curioso e atento, eu saía de casa e tomava um ônibus sem saber para onde ele ia. As tardes de domingo eram sagradas para mim. Chegava sozinho ao Parque D. Pedro, curioso e atento, com dezoito anos e um livro na mão, um chocolate no bolso e a enorme vontade de conhecer lugares novos. Aquele tempo não era simples pegar um voo da Iberia e ir a Barcelona visitar o Parque Güel. Então escolhia ao acaso um ônibus qualquer sem lhe olhar o destino. Ainda hoje a gostosura da surpresa me é melhor que o tipo de lugar que posso vir a conhecer. Não me importava se fosse Arujá ou Vila Nhocunhé, se Parada de Taipas ou se Morumbi: eu descia sempre no ponto final e perguntava, curioso e atento, "que lugar é este?" Mas já não me interessava o nome do lugar. A janela do ônibus já fora meu cinema, o trajeto faiscando na retina, vinte e quatro quadros por segundo. Algumas vezes o motorista, bondoso, até me deixava fazer a viagem de volta sem pagar. A todos que me perdoaram a passagem eu agora agradeço por aqueles valores, economizados e guardados numa velha carteira de couro, com que pude pagar inúmeras pizzas brotinho nas madrugadas frias e poéticas do Restaurante Xangai. Sempre curioso e atento. Com caldo de cana, é claro, porque vinho ainda era um luxo não permitido. Mas hoje, aqui, agora, ao lado da piscina, cada vez mais curioso e mais atento, eu tomo um gole demorado e redondo de Baron d’Arignac rouge, vejo o azul guarujá desse mar lá embaixo batendo nas rochas e fico pensando... Se eu não fosse tão inteligente, curioso e atento — já estaria morto, enterrado e fodido. Então eu abro uma nova garrafa de vinho chorando e sinto vontade de encontrar outra vez aquele pobre menino que eu era e que foi o meu Pai. Eu descendo de mim...