17.11.08

Passion

Ontem revi A Paixão de Cristo e continuo impressionado. Não me parece anti-semita, como dizem. Mel Gibson conseguiu fazer um filme de expressionismo marcante. Belíssimo. Cinema de primeira. Certas passagens são deliciosamente criativas, dignas de um mestre. Por exemplo, a beleza profunda e a sensualidade feminina da Tentação... A metáfora da lágrima de Deus caindo do nosso próprio olho esquerdo e causando um terremoto no momento em que Jesus morre. As alegorias imediatas de um monstro como sendo a culpa de Judas após a delação. A fotografia, também, encantadora.

Claro que o Jim Caviezel está um pouco gordinho demais para o papel de um Cristo vegetariano. E Jesus, no filme do Gibson, apanhou demais mesmo. Houve um certo exagero. Mas esse aspecto acabou dando-me a pista para uma análise que até hoje eu não havia tentado. Ou seja: Jesus é o Caminho.

Jesus é o Caminho para o Reino de Deus, e esse Reino é a Liberdade Total. E se Jesus é a Verdade e o Exemplo, então deveríamos obviamente segui-lo. Mas, em vez de percorrê-lo, nós destruímos esse Caminho — para que ninguém mais consiga passar por ele. Nós matamos o Exemplo não só para que nós mesmos não alcancemos o Céu (ou "Reino de Deus", que aliás está dentro do nosso próprio peito), mas também para que ninguém mais o alcance. Para que todos se percam. Para que todos desperdicem essa única possibilidade de Salvação...

Essa teoria que agora proponho me parece interessante.

Porque o Exemplo de Jesus vai contra a Tradição, contra a Família, contra a Propriedade, contra as convenções sociais, contra a Hipocrisia e, principalmente, contra a Autoridade. Jesus nunca trabalhou, não tinha casa própria, andava descalço, estudou Filosofia, namorou uma mulher solteira (que diziam ser prostituta porque era livre), renegou a própria mãe, brigou com os irmãos, gostava de vinho, de perfume e dos cafunés da Maria, fez alguns milagres — e nunca se apegou a rigorosamente nada. Nem à própria Vida. "Olhai os lírios do campo" — dizia o Louco. "Olhai os pássaros do Céu: não tecem nem fiam, etc". Jesus era brilhante. Você vai entender o que estou dizendo se ler, sem preconceitos, lá em Mateus 6 ponto alguma coisa, o "Sermão da Montanha".

Exceto talvez pela morte trágica, a vida de Jesus deve ter sido realmente uma delícia. Só festa, cultura e alegria. Jesus vivia coçando o Divino Saco. Nunca se deixou explorar por um patrão ou por uma esposa ciumenta. Nem por um pai dominador. Claro que um "Exemplo" como esse não poderia ser enaltecido pela classe dominante. Claro que esse "Caminho" teria mesmo que ser destruído pelos conservadores. Açoitado, crucificado e, principalmente, desqualificado.

Portanto, o Jesus para o qual hoje se reza é outro — não este.

Contudo, eu acho que Mel Gibson, com seu catolicismo encalacrado, ao exagerar nos açoites, não deve ter chegado a conclusões alegóricas iguais às minhas.