15.6.08

Gordura

O prazer de resistir é às vezes muito maior do que o prazer de conceder. Tem dias que eu me regozijo logo após ter resistido a um prato enorme de comida. Ontem, por exemplo, fugi de uma feijoada completa, com beiços e línguas e joelhos de porco. Ou seja, rejeitei um pouco mais de meio quilo de gordura em defesa da saúde.

E tem dias que eu também me alegro muito logo após ter resistido a fazer amor. Esta noite, por exemplo: deixei Maria Antonia deitada na minha própria cama, risonha e lúbrica — e com os braços estendidos. Fugi correndo, desesperadamente. Ou seja, rejeitei um pouco mais de quatro arrobas de gordura em defesa do bom gosto.




Claro que eu fui um pouco exagerado. Quatro arrobas nem são tanto assim. Tudo depende da idade e da altura da mulher. E Maria Antonia não é obesa, de forma alguma. Nem mesmo chega a ser fofinha: pode ser considerada curvilínea com certa ênfase — e com algum desconto. Mas o poeta tem que ser hiperbólico — e não pode perder a chance de escrever um texto, mesmo que para isso tenha que deixar alguém à beira do abismo chamado cama. Um texto criativo, convenhamos. Escrito a lápis, em russo, enquanto ela me olhava, perplexa. Eu estava imaginando um cenário de onde tivesse que fugir desesperadamente. Na verdade, fugi — mas foi por outras razões.

Bom dizer que não me agradam as secas de passarela, mas também tenho meus próprios conceitos de gordura. Sou rigoroso até comigo: vivo olhando minha barriguinha no espelho, sempre atento para que ela não se torne logo logo uma risível borracharia... rs!